terça-feira, 7 de março de 2017

pensando na relação das antropólogAs com o campo da antropologia da comida e da alimentação..

"Desde que o teólogo escocês William Robertson
Smith estudou o sacrifício e a comida nos
anos 80 do século XIX, a antropologia tem se ocupado
com a comida, e, particularmente, com os
papéis que desempenha na organização da vida
social. Por exemplo, as discussões de Bronislaw
Malinowski sobre o inhame na vida trobriandesa
(Malinowski, 1965 [1935]; 1950 [1922]) nos conduzem
por fenômenos como o exercício de poder
dos chefes e a redistribuição da comida; os laços
matrilineares de parentesco ao longo dos quais se
move o alimento, em suas funções de nutrição,
exibição e a linha viva entre a afinidade e a consangüinidade;
a competição por prestígio entre os
fazendeiros trobriandeses na produção de seus
inhames; e assim por diante.

A comida enquanto tal – isto é, intrinsecamente
enquanto comida – tem sido, talvez, um
objeto menos interessante para a antropologia do
que suas implicações sociais. Porém, isso muda
quando nos deparamos com o livro de Audrey Richards,
alunA de Malinowski, Land, labour and
diet in Northern Rhodesia (Richards, 1951 [1939]).
Nele, as funções sociais da comida são tratadas
longa e admiravelmente, mas a própria comida
também recebe muita atenção. O ensaio de Richards,
uma das melhores monografias já escritas
na antropologia da comida, ilustra de maneira
bela a afirmação de Alfred Kroeber de que a cultura
é o modo como as pessoas se relacionam mutuamente
estabelecendo relações com seus materiais
culturais (Kroeber, 1948).

Nos sessenta e tantos anos decorridos desde
a publicação do livro de Richards, a antropologia
da comida e do comer continuou a crescer, mas as
tarefas de pesquisa com que seus praticantes lidam
se transformaram quase inteiramente. (...)
 Quase todos os estudos de comunidade
ou da cultura material que se escolha
examinar, publicados entre os anos 30 e 60, contêm
um ou dois capítulos sobre a sobrevivência e
a economia doméstica, em que a comida e a sua
busca são mencionadas.

Mas obras como Malay
fishermen (1966 [1946]), de Raymond Firth, ou
Housekeeping Among malay peasants (1966 [1943]),
de sua mulher Rosemary, se destacam porque em
ambas a comida assume um papel central.

No entanto, não há muitas monografias desse tipo.

Talvez porque a comida e sua preparação fossem vistas
como trabalho de mulher, e a maioria dos antropólogos
fosse composta por homens; ou porque
o estudo da comida fosse considerado prosaico e
pouco importante, comparado ao da guerra, da sucessão
na chefia ou da mágica e da religião.

Mas qualquer que seja a razão, mesmo nos anos 80 (o
que poderia ser considerado bem tarde), quando
Jack Goody publicou Cooking, cuisine and class
(1982), o estudo antropológico da comida ainda
não tinha renascido como tema."

Trecho do artigo de Sidney Mintz. "Comida e antropologia, uma breve revisão"
RBCS Vol. 16 nº 47 outubro/2001


link do livro de Audrey Richard citado no artigo.
https://books.google.com.br/books?id=s9GIGi8cKZ8C&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

comida, corpo e alteridade (notas de leitura)

Para a cosmologia ameríndia diferentes corpos produzem diferentes perspectivas.
No caso dos kaxinauá (Pano), desde a concepção do indivíduo até a vida adulta ocorre um processo de “fabricação” do corpo que prepara o sujeito para a sua socialização e aprendizados. (Cecília McCallum).

Constata-se, a partir de diversas etnografias de outros povos ameríndios, que o corpo é o articulador de significados sociais e de cosmologias e é com ele que se elabora uma perspectiva do mundo e de si.

Cecília MacCllum está chamando a atenção da centralidade do corpo na cosmologia dos kaxinaua, e nas discussões sobre parentesco, xamanismo, guerra e canibalismo. Na constituição da pessoa, o corpo é fundamental e é uma entidade ontológica que registra as experiências vividas individual ou coletivamente...  

Há uma fabricação do corpo realizada por uma combinação de intervenções constantes de substâncias que o conectam ao mundo: fluídos corporais, banhos e ingestão de ervas e soluções, comidas, fumaça do tabaco, óleos, tintas vegetais... outro tipo de intervenção no corpo seria a partir dos sentidos auditivos e olfativos.

Ela destaca a centralidade da alimentação, e também da sexualidade, nesse processo de elaboração do corpo/pessoa.

Não é apenas a ingestão de alimentos, mas o compartilhar constante da mesma comida é que faz o corpo, a pessoa e cria uma identificação que reforça a relação de consanguinidade, cria a afinidade e marca a alteridade (com quem não se come junto, por exemplo). O mesmo ocorre com a sexualidade, em que a troca de substâncias reforça o gradiente de afinidade, marca a alteridade (com quem não se pode casar) e cria consanguinidade com a concepção (procriação)...





segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

O Polvilho Caipira.


Fabiana, uma das filhas de Dona Sebastiana, chegou à fazenda de motocicleta por volta de 7 horas da manhã. Assim que chegou, trocou de roupa, pegou uma rosca de polvilho e sentou num dos bancos da varanda da frente da casa e começou a descascar as mandiocas junto com seu pai, enquanto Dona Sebastiana arrumava a louça do café da manhã e pendurava algumas roupas no varal. Ajudei Dona Sebastiana e depois fui descascar mandioca junto com eles. Quando Dona Sebastiana terminou o serviço da casa substituiu Seu Jair que foi construir o local onde a massa da mandioca seria “lavada” e providenciar alguns galões para armazená-la. Passamos toda a manhã e parte da tarde “cascando” as mandiocas que o Seu José Acário trouxe.
Por volta de quatro horas da tarde encerramos essa etapa lavando todas as mandiocas descascadas e deixando-as na água, numa grande caixa d’água e fomos lavar os tonéis que receberão a massa já lavada. Foram 5 tonéis de 350 litros. Eu e Fabiana esfregamos com esponja e sabão e enxaguamos tudo com muita água vinda de um córrego e que abastece a casa. Aliás, é imprescindível abundância de água para fazer o polvilho. Foi um trabalho muito pesado esse de hoje e “mexemos com água” mesmo depois que o frio e a noite chegaram. Como eu e Fabiana somos as mais jovens, Dona Sebastiana nos encarregou da segunda etapa do trabalho – além de ensaboar e enxaguar os tonéis - transportamos, em quatro ou cinco viagens, cada uma de nós, as mandiocas no carrinho de mão para o local onde ficaram armazenadas, próximas a máquina de moer, distante uns 200 metros do local onde as descascamos. No início da noite, quando terminamos de preparar as mandiocas para serem moídas amanhã de manhã, Fabiana foi preparar a janta com sua mãe. Depois da janta, ajudei a lavar as vasilhas usadas no preparo da comida e me aprontei para irmos à reunião, a primeira, da nova diretoria da associação, da qual Seu Jair se tornou o presidente, marcada para esta noite na capela do arraial. (Notas de campo. Perdizes, 18 de junho de 2008.)
No dia seguinte, o trabalho no polvilho começou ainda mais cedo. Por volta de 6:30. Enquanto eu descascava o restante das mandiocas, Fabiana e Seu Jair foram passar a mandioca na máquina de moer. Dona Sebastiana descascava parte das mandiocas comigo, mas estava envolvida com os afazeres da casa, principalmente com a roupa e a comida. Depois de tudo moído começamos a transportar a massa da mandioca em latões no carrinho de mão até onde os tonéis estavam preparados e a pequena estrutura - de quatro toras de bambu grossas fincadas no cimento do pátio da casa - em forma de um grande coador, feito com um pano de fazer lençol, “virgem”, lavado, seco ao sol e passado a ferro - receber a massa. Depois do almoço começamos a “lavar a massa”.
Lavar a massa: coloca-se uma quantidade de massa nesse pano e enquanto Fabiana jogava várias bacias de água, Dona Sebastiana mexia a massa com as duas mãos, e um líquido branco escorria para dentro de um tonel mais raso localizado debaixo desse “coador”, de onde eu retirava o líquido e colocava num dos tonéis de 350 litros. Depois da massa lavada, ela era descartada. Colocávamos dentro de um carrinho de mão e quando ele estava bem cheio, dispensava-a, segundo orientação de Dona Sebastiana, longe da casa, próximo ao córrego, despejando todo esse resíduo na terra mesmo.
Hoje é o terceiro dia “mexendo com mandioca”. Moemos o restante das mandiocas que haviam sido descascadas e continuamos com a lavagem da massa. Enquanto isso, Seu Jair foi “arrancar” as mandiocas de sua terra, pois até então só havíamos mexido com as trazidas por Seu José Acário. Eu e Fabiana, num certo momento fomos ajudar Seu Jair retirando a braquiara que havia atingido todo o mandiocal. Braquiara é uma vegetação que se não capinar o mandiocal, ela cresce muito e se enrosca nos troncos, dificultando extração das raízes. Segundo Fabiana, “braquiara é pasto que se alastra”. Enquanto Fabiana tirava a braquiara com a enxada, Seu Jair extraía as mandiocas e eu as transportava no carrinho de mão até a varanda “de trás” onde iríamos descascá-las. Depois disso, Seu Jair começou a preparar o jirau com 12 metros de comprimento por 2 metros de largura, onde a goma peneirada ficará exposta ao sol durante 5 ou 6 dias. (notas de campo. Perdizes, 20 de junho de 2008.)  
No quarto dia pela manhã começamos a entornar o líquido branco depositado nos tonéis, onde a goma assentara no fundo. Retiramos a goma com prato de ágata usado como espátula e a espalhamos sobre um pano estendido numa mesa ao sol. Toda essa goma, já seca, é peneirada e transportada em grandes bacias para o jirau. Esse polvilho ficou ao sol durante mais de dez dias.
O procedimento da feitura do polvilho é basicamente esse, o que foi repetido depois com as mandiocas da própria fazenda. Todas as tardes, nós tínhamos que embrulhar o polvilho no lençol em que estava exposto e protegê-lo com plástico para não pegar sereno. Todas as manhãs, quando o sol firmava, retornávamos ao jirau e abríamos o lençol para que ficasse exposto ao sol forte, próprio dessa época do ano na região. Todo esse polvilho seco foi mais uma vez peneirado e armazenado para ser distribuído por três casas. A casa de Dona Sebastiana, a da Fabiana e a do Seu José Acário.[1] A partir de então, iniciava a secagem do “polvilho da casa”.
Depois dessa temporada de trabalho mais intenso que foi a da feitura do polvilho, o cotidiano da casa voltou ao normal e minhas tarefas também. Não precisava, por exemplo, acordar no mesmo horário que o casal. Nos dias comuns, quando eu acordava, Seu Jair já havia acendido a fornalha (fogão a lenha) e saído para a roça ou para o arraial e Dona Sebastiana coava outro café. Logo, me juntava a ela auxiliando no preparo de alguma merenda para o “leite da manhã”. Colocávamos biscoito de polvilho, pão de queijo ou bolo de mandioca para assar. Costumava colaborar lavando as vasilhas utilizadas. Tomávamos um café preto e enquanto o forno assava a merenda, nos dirigíamos ao paiol para debulhar o milho a ser dado às galinhas. Depois da merenda, varria o terreiro, enquanto Dona Sebastiana catava o feijão e iniciava o preparo do almoço, para logo em seguida estender a roupa no varal, retirada durante o sereno da noite, para terminar de secar. Logo, o sol já estava alto e estávamos almoçando e arrumando a cozinha, preparando o café da tarde e em seguida a janta, para então lavarmos tudo outra vez e, finalmente com a noite, poder tomar banho e nos juntarmos ao Seu Jair que, depois da janta, assistia o noticiário na televisão. Em seguida, estávamos os três, cada um em suas poltronas, cochilando de tão cansados. A minha colaboração na feitura do polvilho foi determinante para que o trabalho de campo se realizasse e também uma experiência importante na minha relação com essa família. Foi a partir de então que começaram a me ver como uma filha emprestada.





terça-feira, 31 de janeiro de 2017

uma antropóloga na cozinha - casa, comida e parentesco no vale do Rio Perdizes.


O povoado de Perdizes, localidade rural onde realizei trabalho de campo, fica no vale do rio Perdizes, ao redor de um arraial, distante cerca de 20 quilômetros da sede do município e está localizado em área de cerrado, contíguo aos povoados da Tijuca e do Brejãozinho. As fazendas situadas nesses povoados variam de tamanho e de tipo de produção. Ainda no início do trabalho de campo, a caminho do povoado, na estrada de terra que liga a cidade ao arraial, o motorista de taxi que constantemente me conduzia, apresentou o local assim: Essas terras que a senhora tá vendo aí são tudo do pessoal de fora, já os mineiros daqui são tudo pequetito. Essas terras são tudo de café. Os mineiros daqui só têm mesmo umas vaquinhas pro leite da criação.
Quando cheguei no Triângulo Mineiro-Alto Paranaíba, encontrei uma rede de contatos já estabelecida pela equipe do projeto “Sociedade e Economia do Agronegócio: Um estudo exploratório” ao qual minha pesquisa se vinculou. O grupo de colegas já frequentava a região e foi a partir de sua extensa rede de interlocutores que fiz os contatos que me levaram ao Arraial dos Perdizes.
A pesquisa parte da percepção de que nas narrativas sobre o "agronegócio" e sobre uma suposta “pujante e homogênea agricultura empresarial” ocorre uma certa invisibilidade dos trabalhadores que atuam nessa agricultura e do pequeno produtor rural nativo. A pesquisa que realizei então propunha conhecê-los por meio de um estudo antropológico sobre a vida na roça  na região do “café do cerrado”.
O processo de negociação do trabalho de campo teve início a partir do contato com as entidades sindicais, frequentando assembleias e reuniões comunitárias. O objetivo era estabelecer uma relação de confiança e aceitação da pesquisa que me possibilitasse ficar mais próxima da vida diária dos pequenos produtores. Com a frequência nas reuniões e das visitas ao pessoal dos Perdizes pude explicar melhor meu trabalho. Dona Sebastiana gostou de mim e da minha proposta de fazer um estudo sobre a vida na roça e me convidou para ficar em sua fazenda. Dona Emília também se ofereceu para me apresentar as comunidades da Tijuca e Brejãozinho e me chamou para passar uma temporada com ela em sua casa.
Aceitei os convites e, em ambas as fazendas, no decorrer de minha estada em suas casas, ajudei com o serviço e quando me dei conta estava inserida na divisão das tarefas, lavando vasilhas, tirando o pretume das panelas, cascando mandioca, aguando a horta, picando verdura, debuiando milho, varrendo o quintal, depenando galinhas, cuidando das crianças, cozinhando arroz... Quase não saíamos de casa. Mais precisamente, quase não saíamos das cozinhas e quintais. Nos poucos passeios e visitas que fazíamos às vizinhas e parentes, nosso lugar era sempre a cozinha delas, sua horta, seus pintinhos, os pé de fruta. Nessas ocasiões enquanto proseava, ajudávamos a anfitriã no que fosse preciso: varrer o quintal, amassar pão, lavar as vasilhas, enxaguar roupa e ajudar a pôr no varal... a vida na roça é muito custosa e ajuda nunca é demais.
Dona Sebastiana e Seu Jair me tratavam carinhosamente como uma filha emprestada e nessa condição deveria agir de acordo com princípios que orientam essa relação como filha mulher.  Nessa rotina, minha identidade como pesquisadora universitária foi sendo ignorada pelos meus anfitriões. No dia a dia na fazenda, no calor das tarefas, para os meus pais emprestados eu era apenas a filha boa de serviço.
A minha ida para a casa deles dissipou a atmosfera do café vivenciada anteriormente no cotidiano da pequena cidade, sede do município, e nas conversas e reuniões sindicais e comunitárias.  Ficar na roça trouxe para o primeiro plano da etnografia o cotidiano interno da fazenda, a minha relação com minhas anfitriãs, principalmente Dona Sebastiana e seus parentes e, mais intensamente, a rotina de trabalho nas cozinhas e quintais.
O processo de incorporação à vida doméstica foi de tal maneira que inicialmente me causou dúvidas a respeito da validade de um estudo feito a partir de um trabalho de campo tão imerso na cozinha, na intimidade da casa, à beira da fornalha. Depois percebi que a forma como fui acolhida é parte de um processo difuso de produção de vínculos no vale dos Perdizes. As relações que dão sentido à comunidade são vínculos produzidos em processos como o que eu vivenciei. Trata-se de uma prática comum orientada para transformar as diferenças em semelhanças, impulsionando a dinâmica de reprodução da casa e da própria comunidade.
Aqui na comunidade é tudo aparentado! Essa é uma frase recorrente quando apresentam os Perdizes. Os vínculos que conectam pessoas, casas e fazendas desses povoados são pontos em uma espécie de continuum de relações que vão das mais distantes às mais próximas. Tornar-me filha emprestada revelou a natureza expansiva das casas e a sua aptidão em incorporar à comunidade sujeitos e elementos de fora. O tornar-se parente, por meio desse processo, compõe um esforço maior para criar e reforçar um idioma comum na localidade, um processo político coerente com  a história recente do vale dos Perdizes.
A descoberta do cerrado é um marco nos Perdizes. Representa o momento da chegada do café , do pessoal de fora. Há uma narrativa comum acerca das consequências desse fato na região. Uma constatação recorrente entre eles é a de que falta gente para trabalhar na roça. Há um discurso comum nos povoados de ruptura das relações na comunidade em razão das mudanças associadas à descoberta do café do cerrado.
O processo de incorporação à casa cria vínculos entre as pessoas podendo torná-las parentes cada vez mais próximos. Esse processo de produção do parentesco, que se realiza a partir do cotidiano da casa e da cozinha cria e fortalece as relações na roça e é uma resposta da comunidade a esses desafios vividos por eles desde a descoberta do cerrado.
A cozinha, então, se coloca como o suporte de um processo que é também político e mostra que a casa é permeável à comunidade e se constitui da relação com a exterioridade, porém há modos de entrar e regras para dela sair. São os trânsitos entre elas e os deslocamentos em seus interiores que vão dando sentido a vida em comum na localidade. Esses deslocamentos são associados ao preparo, oferta, circulação e compartilhamento de comida, atividades realizadas nas cozinhas pelas mulheres da comunidade.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

A peleja do alecrim com o coentro e outros causos culinários.



Me toca a mandioca.

Da mais bela mandioca
Se extrai a boa goma
Para fazer tapioca
De todo gosto e aroma.
Com recheios tão diversos
Que merecem muitos versos
Até em outro idioma.

Quem quiser beiju gostoso
Deve a goma hidratar,
Deixar ele bem formoso
Depois pôr para secar.
Vai então depois salgando
Separando e peneirando
Pra ficar bom de fritar.

Mas não caia na bobeira
De achar que vai fazer
Como a tapioqueira
Tens é muito que aprender.
Ela é dona da arte
E experiente reparte
Gomas de fazer gemer.

Se a sua tapioca
Não ficar
Como a dela,
Se não merecer beijoca
Ou se grudar na panela,
O jeito é não desistir
Confiar mais no porvir
E treinar mais como ela.

Mas não para por aí
O que a mandioca cria.
Muito mais que um jataí
Ela faz nossa alegria.
Muitos tipos de farinha
Que enriquecem a cozinha
Coisa para todo dia.

Tem tapioca de caroço
E a farinha da terra,
Vê que a goma é só um esboço
Da nossa boa de guerra.
Massa puba e copioba
Tanta coisa dá e sobra
Com mandioca não se erra.

Também não me esqueci
Que é dela que se tira,
O mágico tucupi
Até encanta a curupira.
Sai dela também polvilho
Pra delicioso sequilho
Doce que se admira.

Mas o melhor uso é,
Qualquer discussão é finda,
O que há no Alto da Sé
Ante a vista que se brinda.
Fazem coisas mais gostosas
As sempre talentosas
Tapioqueiras de Olinda.

A peleja do alecrim com o coentro e outros causos culinários: receitas e cordel de
Tatiana Damberg


terça-feira, 12 de maio de 2015

e cada região elegeu o seu cereal preferido



E... cada região do mundo elegeu seu cereal preferido: o trigo se difundiu na região mediterrânea, o sorgo no continente africano, o arroz na Ásia, o milho na América. Em torno dessas plantas organizou-se toda a vida daquelas sociedades: relações econômicas, formas de poder político, imaginário cultural, rituais religiosos (...). A própria invenção da cidade, percebida pelos antigos como lugar por excelência da evolução civil, não seria possível sem o desenvolvimento da agricultura. Nesse processo, as sociedades não se adequaram simplesmente às condições impostas pelo ambiente. Modificaram-nas de modo profundo, introduzindo culturas fora das áreas originárias e transformando a paisagem em função disso. É nesse contexto cultural que as primeiras sociedades agrícolas elaboram a ideia de um “homem civil”, aquele que constrói artificialmente sua comida. Uma comida que não existe na natureza e que serve para distinguir a identidade das bestas da identidade dos homens. O pão, na região mediterrânea, área do trigo, representa essa distinção. Somente os homens sabem fazer o pão, tendo elaborado uma sofisticada tecnologia que prevê uma série de operações complexas fruto de longas experiências e reflexões. O pão representa a conquista da “civilização”. (...) Papéis simbólicos idênticos revestem o vinho e a cerveja, bebidas fermentadas que, como o pão, não existem na natureza, mas representam o resultado de um saber... e o homem aprendeu a dominar os processos naturais, utilizando-os em benefício próprio. (Massimo Montanari)